AS PERGUNTAS, A ILHA, O ONTEM E EU
Ricardo França de Gusmão
19.1.2017
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— Ricardo, como você está se sentindo?
— Me sentindo semelhante a ontem.
— E onde é "ontem"?
— Numa ilha.
— O que tem nessa ilha?
— Ontem.
— Mas e o presente?
— Ainda está no ontem.
— E o amanhã?
— Nascerá do ontem, quando o ontem virar amanhã.
— O que há mais nessa ilha além de ontem?
— Há a ausência de um barco chegando.
— De onde ele vem?
— Lá de ontem.
— E por que você não sai dessa ilha?
— Por que não passam barcos por aqui.
— Há mais alguém aí?
— Há o que me sobra. Mas o que me sobra ainda sou eu.
— E o que lhe sobra?
— O ontem.
— Não há o advir?
— Não. Apenas espelhos.
— E o que eles espelham, Ricardo?
— Perfumes.
— Perfume é cheiro. Não se espelha.
— Os meus perfumes sim.
— Como ocorre isso?
— São lembranças ativas. Parecidas comigo.
— Como são os cheiros desses perfumes?
— São cheiros de filho, de pais, de nacionalidade e de Justiça.
— E de amor, não?
— Sim, de amor também.
— Há mais o quê?
— Um sol.
— Um sol? Como é o brilho dele?
— Não brilha. Há nuvens, desde ontem.
— Você não quer sair dessa ilha?
— Sim. Amanhã eu irei fugir dela.
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