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CHORUME DA PAZ


Ricardo França de Gusmão

22.1.2022

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As carcaças cemiteriais horizontais

quem será o seu vizinho em ebulição da carne?

Será um menino sob decomposição

Em alta velocidade? Quem é o síndico

Da cidade dos mortos? O cuidador

Das flores de plástico e das placas póstumas

Em últimas homenagens?


A velocidade, a velocidade, a velocidade

Voraz dos vermes nas vísceras à epiderme

Eruptivas a cavar ouvidos, narizes, olhos,

E as vergonhas apodrecidas do corpo

Suas tripas, órgãos inchados, carcomidos, perfurados,

Quando tempo tiveram para serem,

Ao menos, eternos, placas de rua,

Nomes de bairros?


Exercitaram a política do post mortem

Para deitar na cama do ad eternum?

E se teu inimigo puserem ao teu lado?

O cheiro da decomposição do ódio

Lhe será fraternal, posto que perdera

A oportunidade de ser um homicida

E acabar com esse infortúnio

Desaparecendo com o corpo

Do seu estorvo?


Quais foram os últimos jantares, os últimos almoços

Os últimos coitos dos habitantes da cidade dos mortos?

Seus votos?

Os gols de seus times de futebol

O derradeiro elogio, a promoção,

O martírio... Quantos vieram aqui morar

Pelo vírus? Há nas covas doses de venenos

Ainda ativos? Talvez fantasmas do suicídio

Nessa cidade que dorme em tormenta

Corpos e corpos que a vida alimenta

Para o sono decaptado do amanhecer

Talvez o sentido de viver

Seja a subtração amputada

E interrompida das histórias

Felizes, tristes, irrisórias

Dos honestos, dos patifes, dos mais do mesmo,

Que devolvem ao Planeta

Água e sais minerais, metais,

Em adubamento cemiterial

Chorume da paz?

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