COGUMELO AZUL
Ricardo França de Gusmão
13.4.2018
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— Doutor.
— Fala, jornalista. Pode entrar.
— Quero falar de uma fixação.
— Mais uma, jornalista?
— Sim, doutor. Descobri nesta manhã.
— Ok. E qual seria essa nova fixação?
— Descobri que tenho idéia fixa em cogumelos azuis.
— Entendo... Mas por que azuis?
— Porque a maioria deles são brancos, creme, cinzas opacos, verdes.
— Mas há também cogumelos com chapéus vermelhos, laranjas...
— Doutor, o meu problema é com relação ao cogumelo azul!
— Sei... Quando começou isso?
— Poucos dias depois de eu nascer.
— Hummm... Então esse negócio é grave...
— Doutor, o senhor está me deixando tenso.
— Jornalista, só estou tentando entender a origem dessa fixação. Diga. O que você pensa em fazer com um cogumelo azul, caso o encontre por aí... Comêlo?
— Doutor!!! Que pensamentos terríveis!! Como eu poderia ter a coragem ou a covardia, que nesse caso se equivalem, de devorar um cogumelo azul??? Só de escutar pode me dar pesadelo!
— Calma, amigo. Estou aqui para ajudar. É que você nunca havia me falado dessa fixação da pré-primeira infância... Então... O que você faria?
— Ora... Eu moraria embaixo dele. Sob seu guarda-chuva.
— Me parece uma busca de proteção...
— Doutor?! Será que terei que desenhar para o senhor?
— Tá aí. Uma excelente idéia. Tome esse caderno, e esse lápis de cor azul. Desenha esse seu cogumelo pra eu conhecê-lo...
— Tudo bem... (rabisco, rabisco, rabisco...) — Pronto!
— É realmente muito interessante, jornalista... E qual seria o nome dele?
— Entoloma hochstetteri.
— E de onde você tirou esse nome??
— Ora, doutor... Do Google! De onde mais?
— Sei.Faz sentido. Mas quando você nasceu não existia o Google... Sequer internet...
— Sim. Com o passar dos anos o meu cogumelo azul foi sofrendo mutações. Até se transformar no Entoloma hochstetteri.
— E o que você pretende fazer?
— Quando sair daqui, desta ‘Casa’, vou procurá-lo na Nova Zelândia.
— Nova Zelândia, jornalista? Viagem longa...
— Mas eu tenho fixação doutor.
— Que tal substituir o seu cogumelo azul pelo Champignon? Há vários cursos no YouTube, sobre como cultivá-lo...
— Doutor! O Champignon não é azul!
— Correto.
— Mas o que eu posso fazer no momento por você, então?
— Me deixar em transe. Me hipnotizar. Para amenizar minha ânsia. Senão, doutor... Não sei o que posso fazer... Poderei revelar essa minha fixação para o mundo via Facebook, Google+, Linkedin e Instagram! Vão pensar que sou louco... Ninguém irá entender, além do senhor, a minha ligação umbilical com o cogumelo azul... Doutor, me ajuda!!!
— Deixa eu entender mais um pouco sobre como a dinâmica desse processo funciona... Jornalista, com qual freqüência o seu cogumelo azul aparece em sua mente?
— Doutor, de um mês para cá, todos os dias, sempre das 13h15 às 14h45...
— Sei... Tem hora marcada...
— É. Como uma febre.
— E o que você faz nesses momentos?
— Eu rasgo jornais, doutor.
— Mas por que, se você é jornalista?
— Porque a imprensa hegemônica não noticia absolutamente nada do cogumelo azul! Doutor, ele é um excluído!
— Jornalista, você disse que isso começou meses após o seu nascimento... Você lembra também qual era a cor das suas fraldas?
— (...) (...) (Pensando) Eram azuis, doutor!!!
— E do seu berço?
— Azul...
— Chupeta?
— Azul...
— Carrinho de bebê?
— Azul...
— Seus pijaminhas?
— Azuis...
— Meu caro amigo e paciente jornalista... Estou começando a fazer o contorno de um diagnóstico...
— Me diga... Quando esse ‘oceano azul’ deixou de fazer parte da sua vida até aparecer o seu cogumelo?
— (...) (...) (Pensando) Quando eu adoleci...
— E nesse período, provavelmente, começaram a nascer os pêlos pubianos?
— Uma floresta deles doutor... Depois os pêlos no meu rosto. Iguais aos do meu tio... A minha vida mudou a partir de então.
— Jornalista... Esse seu cogumelo tem a cor da sua infância. E o guarda-chuva dele significa a proteção da sua mãe. Vou classificar isso como a ‘Síndrome do Entoloma hochstetteri’. Inventei agora... Vai ser tema de um dos meus artigos científicos sobre você! Ganhei o dia!
— Mas, doutor, e eu? Como fico com essa fixação???
— Vou mandar comprar uma chupeta azul e substituir o seu leito por um grande berço azul. Isso com dois comprimidos de ansiolíticos por dia, vai amenizar a sua ansiedade até você ter alta, sair da ‘Casa’ e ir para Nova Zelândia...
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