Ricardo França
21.11.2018
Uma vez conheci um pernilongo. Parecia um sujeito muito chato. Eu estava na atmosfera do meu quarto sob a chuva que chovia sob o sol. Mas percebia que ele era um pernilongo muito sozinho, e que precisava das minhas hemoglobinas para continuar vivendo. Poderia ser vetor de alguma chucungunha, ou coisa semelhante.
Mas pensei que sina é essa, de precisar do sangue dos outros para continuar a vida? Ele pousou em meu braço e deu o seu beijo de Conde Drácula. Viveu pouco. Terminou nas mandíbulas de uma aranha, no canto da parede aqui de casa. Vive e morreu brevemente, sem saber que era odiado. Mas esse pernilongo era a minha companhia. Única. E o meu sangue nele, era eu então nele.
Então apareceu não sei de onde uma família de traças. Repugnante. Queriam os meus livros na estante. E eu, sob o meu teto, sob a chuva e sob o sol sublimado, deixei elas devorarem os meus livros do Carlos Drummond de Andrade e do Vinícius de Moraes. Mas a família das traças foi sugada pelo aspirador de pó.
Então percebi, enfim, que as traças, pernilongos e os cupins não são diferentes da gente. Em seus desígnios e plenitudes de estarem vivos. Eu ainda estava vivo. Sob a chuva. E abri a janela do meu apartamento para lavar o rosto desse impacto de ser.
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