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Jingle Bell

Atualizado: 25 de dez. de 2022


Jingle Bell

Por Ricardo França de Gusmão


É tempo de natalismo nos rincões da América Latina.

O bom velhinho made in Brasil aparece de barba branca

nas Tevês-Digitais-Sensacionais-Caras-Demais de 34 polegadas.

Seu cachê, previamente combinado,

Ajudará a completar o benefício do INSS

Que ele pega na fila da agência inclemente

ofício sacrifício

que ele não merece

(nem a gente).


A respeito da ocasião

O presidente-estagiário da Associação

Comercial

Em entrevista ao repórter no

telejornal

projeta sólidos lucros líquidos

libertando nervosas gar-ga-galhadas

seqüenciais entrecortadas.

- Sai desse corpo! Desconjuro! Bicho do capetalismo!


A realidade se refaz envernizada de egoísmo,

sem cheiro,

sem gosto,

sem asperosidade,

sem barulho,

sem carinho:

anti-emocional.


O papai Noel brasileiro e o comerciante histérico

São habitantes hilariantes de um mundo

sintético,

protético,

desértico,

de plástico,

comercial,

produzido

Na Coréia, em Taiwan, na China comunista,

Em território americano do norte

E na Zona Franca de Manaus.


É tempo de Natal, mas não neva em Pernambuco,

Ou no Ceará. Não neva em Aracaju ou em Copacabana.

Os publicitários criaram o milagre da neve tropical,

A neve inconsciente coletiva

Que faz parte das decorações das lojas.

Encantados, conseguimos imaginar a neve anti-solidária,

E sentimos um frio seco

Sob um sol de 40 graus.

Mas isso não é magia de Natal.

É efeito colateral de publicidade

Em doses acima do limite suportável para o consumo

Do consumidor humano do Terceiro Mundo.


É tempo de presentear eletrodomésticos,

Brinquedos ideológicos,

heróis americanos e japoneses

geneticamente modificados,

bandidos iraquianos e afegãos destroçados,

CDs novos e antigos do Roberto Carlos,

Aparelhos celulares que fotografam

e cosméticos antiéticos para as quatro estações

Comprados em carnês de até 12 prestações.


Há um espírito promocional, uma heresia,

Que perfuma os shoppings das capitais

E os jornais não publicam mais

a morte dos enfermos nos hospitais.


Cientistas patrocinados pelas casas Bahia

dizem que a estrela de Belém passará e cairá

Em tira teima para o êxtase dos telescópios

Durante uma liquidação de telescópios.


Eu, que comprei um telescópio,

Otário,

não enxergo nada pelo orifício de olhar.

Agora, jaz, solitário

Ex-possuidor do meu décimo terceiro salário,

ser microscópio com contas a pagar,

cidadão feito de bobo com a cara pálida de superfície lunar,

insisto no ópio natalino:

aumento o som

da televisão

e assisto a Missa do Galo,

sonho descontextualizado

e viro novamente um menino.


Jesus é o grande homenageado da noite.

Todo ano renasce menino bom

Para o nosso bem.


Lá fora, na cidade dos meninos sem,

Na cidade de Deus sem amém,

Dormem outros meninos de sonhos açoitados

E nascem outros meninos

brancos,

negros,

violentados,

E nascem outros meninos louros,

orientais,

transgênicos,

Nascem mais, querendo alimento e brincadeira


Num mundo que vende bala

Num mundo que atira bala

Onírica bala entre a vida e a morte

Flutuante bala no Natal dos pobres

Caríssima bala na ceia dos ricos.


Merry Christimas!

Hoje, nasceu um menino para o nosso bem:

Um Jesus bonequinho de plástico

Lançado em versão popular

Com a barba do Luís Inácio

Para o menino do povo

Apertar.


Um menino educativo aperfeiçoado

Feito com vento por dentro

E uma cruz acessória também popular,

Uma cruz igualmente de plástico, inglória,

para o menino do povo

pregar.


Na caixa há um rudimentar martelo,

só não há o prego, objeto de aço para perfurar.

O preço desse prego

Em prestação de crucificar,

o pai povo cego vai ter que pagar.



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